PERIODIZAÇÃO DA LITERATURA MOÇAMBICANA

PERIODIZAÇÃO DA LITERATURA MOÇAMBICANA

É um facto consumado que o conhecimento acerca da literatura moçambicana no que diz respeito à sua periodização, tem sido o “calcanhar de Aquiles” de muitos perante debates acerca das peripécias desta literatura e suas adjacências. Sabe-se sim, do que poderíamos chamar de momentos desta literatura (pré-colonial, colonial e pós-colonial), com maior ou menor consistência mas a verdade é simplesmente esta: é possível “jogar conversa fora” acerca da moçambicana literatura baseando-se em abordagens que se quer roçam o assunto__ periodização.
Afinal, o que é periodização?
Periodização é a classificação de uma língua em períodos, segundo características estruturais que perduram durante certo tempo. Por vezes, a periodização se faz por século, classificando os períodos, por exemplo: em Quinhentista, Setecentista, etc. (FERREIRA: 2004)
Em termos mais simplistas diria que falar de periodização, é debruçar-se sobre as “balizas cronológicas” (tão simples quanto isso).
A literatura moçambicana situa-se fundamentalmente em cinco períodos? (que fique bem claro que esta divisão está baseada na abordagem de Pires Laranjeira, podendo assim existir autores com abordagens diferentes desta, o que é cientificamente natural que aconteça!): Talvez sim, talvez não…mas enfim, no que concerne ao 1º Período (insipiência), que inicia com a permanência dos portugueses até 1924. Diz-se período de insipiência devido à, é bom que se diga, aparente inexistência de produção literária, cenário que se modifica com a introdução do prelo (antigo material tipográfico, para impressão de textos) no ano de 1854. Neste período, sobressaem textos de Campos Oliveira (não querendo assim dizer que este autor seja o fundador da literatura moçambicana), veja-se o seguinte excerto do texto “O pescador de Moçambique”.
— Eu nasci em Moçambique,
de pais humildes provim,
a cor negra que eles tinham
é a cor que tenho em mim:
sou pescador desde a infância,
e no mar sempre vaguei;
a pesca me dá sustento,
nunca outro mister busquei (…)
O 2º período (prelúdio), vai da publicação de “O livro da dor” de João Albasini (1925) até o fim da II guerra mundial, incluindo, além desta obra, os poemas dispersos de Rui de Noronha nos anos 30, depois publicados, postumamente, em livro com o título Sonetos (1946) por ter sido o género mais cultivado por ele.
Nota-se neste autor, uma inovação, pelo facto de, pela primeira vez, um autor expressar-se  “sem papas na língua” sobre os problemas do africano (moçambicano) para o africano. Tenhamos como exemplo o poema “Surge et ambula” e “Carregadores”. Entretanto, Rui de Noronha, também se plasmou em formas mais libertas de constrangimentos e versou temas relacionados com tradições nativas de Moçambique, como no caso do celebrado poema «Quenguelequêzê». Nota-se também a inversão de certa mitologia propagandística da história colonial que Rui de Noronha operou poeticamente, desfazendo a versão de um Mouzinho de Albuquerque como herói destemido e de um Ngungunhane, imperador, derrotado, dominado e humilhado (porém, alguns autores afirmam não ser este o início duma literatura moçambicana propriamente dita), veja o poema “Pós da história”:
PÓS DA HISTÓRIA
Caiu serenamente o bravo Quêto
Os lábios a sorrir, direito o busto
Manhude que o seguiu mostrou ser preto
Morrendo como Quêto a rir sem custo.

Fez-se silêncio lúgubre, completo,
no craal do vátua célebre e vetusto.
E o Gungunhana, em pé, sereno o aspecto,
Fitava os dois, o olhar heróico, augusto.

Então Impincazamo, a mãe do vátua,
Triunfando da altivez humana e fátua,
Aos pés do vencedor caiu chorando.

Oh dor de mãe sublime que se humilha!
Que o crime se não esquece à luz que brilha
Ó mães, nas vossas lágrimas gritando?

3º período (Formação), vai de 1945/48 a 1963, caracteriza-se pela intensa formação da literatura moçambicana. Pela primeira vez, uma consciência grupal instala-se no seio dos escritores, tocados pelo Neo-realismo que já se fazia sentir em Portugal e, a partir dos primeiros anos de 1950, pela Negritude.
É neste período que, Noémia de Sousa escreve os seus poemas (conhecidos até hoje) entre 1948 e 51, ainda sem conhecer a Negritude francófona, mas estando a par dos negrismos americanos. Em 1951, propagou-se o seu livro “Sangue negro”, formado por 43 poemas (mais um do que noutra versão posterior). Veja-se o poema “Sangue negro” de Noémia de Sousa:

SANGUE NEGRO
Ó minha África misteriosa e natural,
Minha virgem violentada,
Minha mãe!
Como eu andava há tanto desterrada,
Distante e egocêntrica
Por estas ruas da cidade
Engravidadas de estrangeiros!
Minha Mãe, perdoa!
Como se eu pudesse viver assim,
Desta maneira, eternamente
Ignorando a carícia fraternamente
Morna do teu luar
(meu princípio e meu fim) …
Como se não existisse, para além
Dos cinemas e dos cafés, a ansiedade
Dos teus horizontes estranhos, por desvendar…
Como se nos teus matos cacimbados
Não cantassem em surdina a sua liberdade
As aves mais belas, cujos nomes são mistérios ainda fechados!
Como se teus filhos ─ régias estátuas sem par ─,
Altivos, em bronze talhados,
Endurecidos no lume infernal
Do teu sol causticante, tropical,
Como se teus filhos intermeratos, sofrendo, lutando,
À terra amarrados,
Como escravos, trabalhando,
Amando, cantando
─ Meus irmãos não fossem!
Ó minha Mãe África, « ngoma» pagã,
Escrava sensual,
Mística, sortílega, ─ perdoa,
À tua filha tresvairada
─ Abre-te e perdoa!
Que a força da sua seiva vence tudo!
 E nada mais foi preciso, que o feitiço ímpar
Dos teus tantãs de guerra chamando,
Dundundundun-tã-tã-dundundun-tã-tã,
Nada mais que a loucura elementar
Dos teus batuques bárbaros, terrivelmente belos…
─ Para que eu vibrasse
─ Para que eu gritasse
─ Para que eu sentisse, funda, no sangue, a tua voz, Mãe!
E vencida, reconhecesse os nossos elos…
E regressasse à minha origem milenar.
Mãe, minha mãe África
Das canções escravas ao luar,
Não posso, não posso repudiar
O sangue bárbaro que me legaste…
Porque em mim, em minha alma, em meus nervos,
Ele é mais forte que tudo,
Eu vivo, eu sofro, eu rio através dele, mãe!

Destaca-se também, neste período, o jornal cultural Msaho (1952, n.° único), proibido pela censura, destinava-se, como o título indicia, ao compromisso investigatório e solidário com a cultura ancestral e popular.
A década de 50, sendo a de movimentos grupais, viu surgir, desde logo, a publicação de textos, exclusivamente poéticos, em selecções e antologias. Poesia em Moçambique (1951), organizada por Luís Polanah, com um prólogo de Orlando de Albuquerque e Vítor Evaristo, saída em Lisboa.
José Craveirinha sobressai, nesta década, junto de Noémia de Sousa, Rui Nogar, Rui Knopfli, Virgílio de Lemos, Rui Guerra, Fonseca Amaral, Orlando Mendes, entre outros.

4º período (Desenvolvimento), prolonga-se desde 1964 até 1975, o que significa que, está entre o início da luta armada de libertação nacional e a independência do país (a publicação de livros fundamentais coincide com estas datas políticas). Diz-se Desenvolvimento, pois, caracteriza-se pela coexistência de uma intensa actividade cultural e literária nas zonas suburbanas, apresentando textos de cariz não explícita e marcadamente político e que tematizavam a luta armada., pois, caracteriza-se pela coexistência de uma intensa actividade cultural e literária nas zonas suburbanas, apresentando textos de cariz não explícita e marcadamente político e que tematizavam a luta armada.
Em 1964, Luís Bernardo Honwana publica “Nós matámos o cão-tinhoso”, um conjunto de contos que finalmente emancipa a narrativa em relação à preponderância da poesia. Nesse mesmo ano, sai, em Lisboa, o livro “Chigubo”. Depois, até à independência, aparece aquele que tem sido apresentado como o primeiro romance moçambicano, “Portagem” (1966), de Orlando Mendes, os três números da revista “Caliban”, em 1971, justamente quando a FRELIMO editava um primeiro volume de Poesia de combate, para, já em 1974, surgir, então, o Karingana ua karingana, de José Craveirinha, uma recolha de poemas escritos a partir de 1945.
5º período (consolidação), entre 1975 e 1992, é tido como período de Consolidação, por finalmente passar a não haver dúvidas quanto à autonomia e extensão da literatura moçambicana. Após a independência, durante algum tempo (1975-1982), assistiu-se sobretudo à divulgação de textos que tinham ficado dispersos. O livro típico, até pelo título sugestivo, foi “Silêncio escancarado” (1982), de Rui Nogar (1935-1993), aliás o primeiro e único que publicou em vida. Outro tipo de textos é o de exaltação patriótica, do culto dos heróis da luta de libertação nacional e de temas marcadamente doutrinários, militantes ou empenhados, no tempo da independência.
A publicação dos poemas de “Raiz de orvalho”, de Mia Couto (em 1983) e sobretudo da revista Charrua (a partir de 1984, com oito números), da responsabilidade de uma nova geração de escritores (Ungulani Ba Ka Khosa, Hélder Muteia, Pedro Chissano, Juvenal Bucuane e outros), abriu novas perspectivas fora da literatura empenhada, permitindo-lhes caminhos até aí impensáveis, de que o culminar foi o livro de contos Vozes anoitecidas (1986), de Mia Couto, considerado como promotor de uma mutação literária em Moçambique, provocando polémica e discussão acesas. A partir daí, estava instaurada uma aceitabilidade para a livre criatividade da palavra, a abordagem de temas tabus, como o da convivência de raças e mistura de culturas, por vezes parecendo antagónicas e carregadas de disputas (indianos vs. negros ou brancos).
A publicação de Terra sonâmbula (1992), de Mia Couto, o seu primeiro romance, coincidente com a abertura política do regime, pode considerar-se provisoriamente o final deste período (momento) de pós-independência.

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